quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Só a terra não basta

Fragmentos iniciais

“Só a terra não basta. Lutamos por vários direitos, temos muito para conquistar”, afirma Neiva Vivian, 42 anos, sendo desses, 22 anos dedicados à luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Essa frase foi dita no encontro que tivemos quando visitamos o Centro Sepé Tiarajú, no assentamento de Viamão.

Centro de Eventos do MST em Viamão


O sol já havia se posto e nós ainda estávamos a caminho do assentamento, uma hora e meia de ônibus, onde deu para entender a analogia que se faz ao pegar o ônibus Viamão lotado. O atraso por conta de alguns percalços. Sem cochilo chegamos até a parada 72, onde Paulo Ricardo Moreira Benevides, integrante do movimento veio nos buscar, um quilômetro a mais e chegamos ao nosso destino.

Terça-feira, cinco da tarde. Quando chegamos estava acontecendo o encontro das mulheres do MST de diversos assentamentos e acampamentos. Enquanto as mulheres discutiam sobre sexualidade, feminilidade, revolução e outros assuntos afins, fomos conhecer o centro, acompanhadas por Paulo. Paulo é casado com Roselaine Peres, e juntamente com sua filha Larissa, estão no Movimento há um ano e três meses.

Patrícia, acampada do MST explica a diferença entre acampamento e assentamento

Há 10 anos com direito garantido à terra/

Um lugar tranqüilo, repleto de referências à luta pela terra, igualdade, fraternidade, amparada na ideologia de outro mundo possível. Enquanto caminhamos, Paulo vai nos dizendo sobre o trabalho, projetos e modo de vida das pessoas que lá vivem.

Como apontou mais tarde Neiva, apesar da questão do acesso a terra ser o fio condutor da luta, ela não é a questão isolada. Educação, inclusão digital (através do telecentro), incentivo à leitura, além do sustento através da plantação do arroz e das árvores frutíferas. Alguns assentados complementam seu sustento com trabalhos fora do assentamento.


Telecentro


No caminho, uma casinha de barro, coberta por um teto de gramas chama a atenção. É a casa da leitura, construída pelos moradores. O espaço reservado para reuniões e leitura, abriga diversos lugares, uma bandeira do movimento e uma foto de Sebastião Salgado, aliás, as fotos de Salgado estão espalhadas por todos os lugares. Futuramente o assentamento contará com uma biblioteca, que será financiada pelo Ministério da Cultura, que aprovou esse projeto encaminhado pelo MST.

Como se fora brincadeira de roda...

Enquanto as mulheres estão em seu encontro, suas crianças ficam num cantinho chamado Ciranda. Lá conhecemos Roselaine, ou Rose, solícita e simpática. Ela ajuda a cuidar das crianças nos dias de evento. Formada em pedagogia, Rose diz que a questão da educação e a informação chamaram sua atenção e fez com que ela aderisse à causa. Apesar de estar envolvida com o movimento, ela ainda mora na cidade por conta de seu outro trabalho.

Ciranda


Nesse dia havia três crianças na Ciranda, fazendo a hora do conto e se revezando com os brinquedos coloridos de montar.

Contribuindo no atendimento às crianças, conhecemos Patrícia Santos, 23 anos, que faz parte da escola itinerante do MST. Ela vive com sua família - esposo e uma filha de dois anos e meio- num acampamento no interior do Estado. Patrícia nos conta que sua mãe já participava do Movimento na tentativa de dar um futuro melhor para sua família, aderiu para a conquista de um pedaço de terra.

Patrícia


No acampamento, Patrícia também leciona para turmas de 1ª a 4ª séries. “As aulas são dadas pelas próprias pessoas do movimento. Vem o pessoal de uma escola que faz a revisão do conteúdo que iremos passar”. De acordo com Patrícia as mulheres se mobilizam mais na questão da educação.

Patrícia explica as atividades das mulheres na educação, dentro do MST

A vida sob lonas...

Lonas, chão batido, luz de velas. É assim o espaço ocupado por Patrícia no acampamento. De manhã ela cuida dos seus afazeres, à tarde vai dar aulas, e à noite volta para sua “casa”, faz a janta, os planejamentos de aula e, finalmente, descansa.

Patrícia se diz uma mulher vaidosa. Adora brincos (apesar do dia não estar usando), unhas pintadas e nos conta que como toda e qualquer mulher, as do acampamento são vaidosas. Nos fala de sua colega Fabiane que por nada nesse mundo tira o salto alto, e mesmo à noite e no escuro (já que lá não há luz elétrica), ela não os tira.

Patrícia fala das vaidades das mulheres do Movimento



Deixando a Ciranda, fomos ao salão para esperar o fim do encontro e, então conversamos com outras mulheres. Mas, antes, passamos na cozinha e conhecemos Neca, 10 anos na militância fazendo a janta – à qual fomos convidadas a provar.

Aos poucos, as mulheres vão saindo da “tenda”, como à definimos. Na verdade se trata de um lugar circundado por paredes “decoradas”, com pinturas sempre ligadas à questões defendidas pela causa. A imagem de Che está presente, tanto no espaço por fora da tenda, quanto das paredes do salão, também enfeitas com fotos de Salgado.

Quando nos aproximamos, elas recuam um pouco, no princípio “ariscas”, para dar uma entrevista. Pensam e até argumentam a questão da grande imprensa. “Na verdade a gente sabe que os grandes meios são contra o Movimento. Nós nunca vamos esperar que eles façam algo à favor”, explica Delvane Frosul, 27 anos, dos quais 24 ligadas ao MST. Ela foi uma das primeiras mulheres a conversarem conosco. Formada em magistério dentro do movimento, casada há cinco anos, ela espera seu primeiro filho que deve chegar daqui há seis meses.

Ela trabalha no Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (COCEARGS), o que faz com que passe a semana em Porto Alegre e volte para Jóia, onde fica o seu acampamento, aos finais de semana.

Estranhas no ninho, ficamos a observar o movimento das mulheres que não pararam por um minuto. E entre um olhar e outro, Neiva Vivian vem conversar conosco. Aos seus 42 anos, 22 na causa, essa senhora, simpática, nos fala porque e como se deu o seu encontro. “Meus cunhados estavam no acampamento e achei que poderia ser uma saída para criar condições de vida”, conta. Mãe de dois filhos, um de 23 (que no momento cursa medicina em Cuba – ponto que será abordado na próxima matéria) e outro de 17, Neiva acredita que uma das causas de dificuldades enfrentadas pelo movimento esteja no modelo atual da sociedade, que segundo ela, é voltada para o capital, agronegócio, concentração da terra. Para ela essa é uma realidade que o movimento quer mudar. “Nós queremos levar a consciência de não pensar só em si. Só terra não basta. Lutamos por vários direitos, temos muito para conquistar”.

E como vimos, há a democratização da comunicação-informação, a leitura, a inclusão digital e tantos outros bens comuns e básicos que deveriam ser de direito à todos.

Para ver mais fotos e mais vídeos, acesse os links à direita do blog.